Vo contar o que aconteceu comigo na sexta-feira, quando eu tava indo pra casa, depois de um dia cansativo de trabalho.
Estava eu na Cidade Nova, pequei o metrô até a Uruguaiana pra poder pegar o onibus na Av. Presidente Vagas (quem não conhece o centro do Rio joga no Google Maps, rs). Aí eu tava lá quietin esperando o sinal fechar pra eu atravassar quando vem uma velhinha com um ceguin e diz:
- Alguém pode ajudar ele a atravessar a rua?
Eu olhei pro lado e só tinha eu, ou seja, aquela velha sacana me mandou uma direta. Aí tudo bem, fui fazer uma boa ação, afinal não é sempre que temos a oportunidade de fazer boas ações como essa. Eu não saio por aí ajudando ceguinhos...
Aí eu fui ofereci meu braço para o senhor se apoiar. Ele apertou meu braço. Como nunca passei por essa experiência, tive que falar:
- Senhor, o senhor tá apertando meu braço.
- É que eu tenho medo de cair - respondeu ele.
Tipo eu fiquei até com pena né. Aí ele vira e diz:
- Hum, que cheirinho de camarão.
Putz - pensei - to fedendo. E ainda a camarão. Me cheirei e nem tava. Aí falei:
- Tem ninguem vendendo camarão por aki senhor. Vamos que o sinal fechou...

Aí ele foi atravessando todo devagar, com uma bengalinha de aluminio fininha. Aí eu falei que não precisava da bengala, porque se tivesse algum buraco ou calçada eu avisaria. Aí ele disse que precisava usar a bengala, porque ela ajudava ele e que se alguem chutasse ela quebraria.
Eu perguntei se ele ia pegar onibus. Ele disse que ia pegar qualquer um pra Central e depois ia pegar o trem. Eu gritei:
- Senhor o sinal vai abrir, tem como andar mais rapido?
Minha paciencia já havia se esgotado.
Aí quando chegamos na última pista a porra do sinal abriu e a gente ainda na pista. Aí ele diz:
- Aí um onibus parado.
- Não é onibus é um carro-forte e anda logo senão vamos ser atropelados.
Aí cheguei na calçada e podia ter soltado ele lá. Já havia cumprido o meu objetivo de atravessa-lo. Já fiz a boa ação. Mas queria mais, queria fazer as ações atrasadas e disse que ia coloca-lo no onibus. Fui andando com ele em direção ao ponto de onibus, caminho que eu ia fazer pra pegar o meu. Aí ele vira e diz:
- Você tá andando muito.
Meu sangue subiu. Po to ajudando e o cara ainda reclama, meu. Aí falei:
- Ué to levando o senhor pro ponto de onibus.
- Ah, mas se você fosse pro outro lado era mais perto - me respondeu ele.
- E porque o senhor não me avisou? Eu não conheço todos os pontos de onibus daqui.
- Mas você ta andando muito.
O senhor é cego ou paraplégico? - pensei.
- O senhor que voltar? Eu to tentando ajudar o senhor a pegar o onibus.
- Mas você ta ajudando, só que andou muito.
Aí atravesei a rua e tinha um onibus parado. Era um pra Níterói, desses frescão, que não tem gratuidade. Ele me diz:
- Aí um onibus parado.
- É pra Niterói senhor. Esse não serve.
- Ah é o 100? Eu vim nele.
- Ué como o senhor sabe que é o 100? O senhor é cego mermo?
- Claro que sou - me respondeu ele.
Dúvidei.
Aí tinha outro onibus atrás. O mesmo. Mais um 100. Aí ele falou:
- Aí mais um onibus.
- É o mesmo senhor, aki é o ponto do 100.
- Caraca você andou pra caramba e não chegou no ponto.
Eu me irritei e parei. Falei:
- Ah então vamos ficar aqui esperando passar um.
Aí ele:
- Você andou pra caramba pra ficar parado aqui? Agora me leva pro ponto certo.
Eu juro que quase murrei o velho. Além de cego é abusado. Po tava ali na maior boa ação, ajudando e o cara ainda reclama.
Aí fui andando, veio um onibus, eu dei sinal e o motorista parou.
Eu falei pra ele:
- Ó esse onibus passa na Central, pede ao motorista pra te deixar lá, ok?
- Eu sei me virar.
Cara, se o onibus não tivesse parado, eu empurrava o velho na frente dele. Fui andando com ele, coloquei ele na porta. Ele subiu, falou alguma coisa com o motorista e sentou.
E eu fiquei lá esperando um OBRIGADO.
Ele não me deu um obrigado. Quase chorei. Estou traumatizado. Nunca mais ajudarei cego. Posso empurrar cadeira de roda, ver os onibus pras velhinhas. Agora cego? Nunca mais!!!


OBS: Estou até agora puto com akele velho.